Rabiscos # 16 - Quando as férias levantam novas (velhas) questões
E a Rabiscos está de volta. Depois de merecidas férias em que me desconectei do mundo digital - usei o celular só pra tirar fotos, ler (algumas) notícias e falar com a família e os amigos - esta newsletter retorna.
Durante o período de descanso, até pensei em alguns temas que gostaria de trazer pra cá e de escrever sobre. Mas como não anotava as ideias a medida em que ela vinham, assim como surgiram na minha mente também se foram. Férias servem para isso mesmo, para deixarmos fluir os pensamentos e não nos agarrarmos a nenhum deles. Já fazemos isso o resto do ano inteiro, acrescentando ainda as inúmeras tarefas e agendas e prazos e cobranças (internas e externas).
Sem lamentos. Tão logo cheguei no Rio, surgiu um assunto para tratar aqui.
Lego, na sua atividade principal. A foto tem uns 4 anos e segue atualíssima.
Durante o período em que viajamos, deixamos nossos dois gatos na casa da minha sogra. Para eles foi ótimo. Ambos foram devidamente paparicados por ela e pela suas ajudantes, além da minha sobrinha-neta de 7 anos. Aposto como os dois felinos nunca tinham sido tão mimados antes.
Um pequeno incidente na entrega já deveria ter ligado o nosso alerta, porém estávamos naquele momento do piloto automático entre finalizar o ano de trabalho e entrar em férias, intensificado pela época de festas, e não prestamos tanta atenção nos detalhes e sinais.
Quando fomos deixá-los na minha sogra, só tínhamos uma caixa de transporte de gatos. Até aí, tudo bem, pois não são animais que costumem passear, e só saem de casa para ir ao veterinário. Então costumam ir os dois na mesma caixa de transporte e nunca tivemos qualquer problema.
(Antes que alguém proteste, a caixa tem espaço suficiente para os dois gatos, que são pequenos).
Só que dessa vez fizemos uma parada na casa do filho, fazia calor, pegamos engarrafamento até a casa da sogra. Resultado: no caminho, algum dos gatos fez cocô e, como estavam juntos, os dois se sujaram. Não dava para identificar o autor ema questão, pois estavam no mesmo espaço. Tive que dar banho imediatamente nos dois, e encaramos a situação apenas como um incidente, causado mais pelo estresse da demora do que por qualquer outro motivo.
Viajamos, relaxamos, descansamos. Voltamos. Fomos buscar os gatos. O filho nos deu de presente uma outra caixa de transporte, para evitar qualquer problema no retorno dos gatos à casa. Confiantes, viemos com os dois, cada um numa caixa. Dessa vez, sem paradas no percurso.
Mesmo assim, o fato se repetiu. A diferença é que agora sabíamos quem tinha ficado nervoso o suficiente para fazer cocô na caixa de transporte: Lego, o nosso gato idosinho, como carinhosamente fala minha filha mais nova. Em fevereiro, ele vai completar 14 anos, o que equivale a 72 anos, segundo as novas diretrizes das fases da vida felina, estabelecidas pela American Association of Feline Practitioners (AAFP) e pela American Animal Hospital Association (AAHA). Oficialmente, é o morador mais velho da casa.
Que teve de ir direto para o banho, assim que chegou da casa da vovó. Devidamente higienizado, ele ficou andando pelo apartamento, rabo baixo, miando como se estranhasse o lugar. Gatos são animais territoriais, que se ressentem de novos ambientes, e reclamam quando são retirados de um espaço e colocados em outro. Lego estava agindo como se não conhecesse o local onde mora praticamente desde que nasceu. Reclamou tanto que parecia preferir ter continuado na casa da minha sogra.
No dia seguinte, menos ressentido, ele parou de miar pelos cantos, e dormiu praticamente o tempo inteiro, movimentando-se apenas em poucos momentos para comer, beber água e usar o banheiro.
De fato, um gato idoso. Que não gostou de ser removido de sua casa, ainda que tenha ficado bem durante sua permanência na avó. Um ser de idade, com seus hábitos, costumes e que não concorda quando estes são alterados.
Quem tem animais de estimação sempre sofre quando conjectura que um dia aquele bichinho irá morrer. Sofremos por antecipação pela perda que provavelmente iremos experimentar, já que cães e gatos vivem menos tempo que humanos. Só os criadores de tartarugas escapam desta sina…
No entanto, da mesma forma como acontece com nossas próprias trajetórias, não nos preparamos para a velhice dos nossos animais. Que pode ser uma idade trabalhosa, já que eles podem desenvolver doenças incapacitantes e necessitarão de cuidados constantes (como também acontece com os humanos). Ou que pode ser só um período mais quieto, mais sonolento, mais acomodado, sem nenhum desejo por novidades.
Lego está (pelo menos até o momento) na segunda categoria. Embora saudável, quer ficar na dele. Sem grandes emoções, sem grandes passeios, sem muita movimentação. Apenas deitar no sol de manhã, dormir no sofá depois de ser alimentado, pedir eventualmente um carinho aos humanos que ele permite morarem em sua casa.
Para mim, que ainda sou sedenta por novidades, este recolhimento é bem difícil de ser compreendido. Mas desta vez, entendi o sinal que ele me mandou.
Não sei como faremos nas próximas viagens.
Pelo menos este é um problema que só vamos enfrentar daqui a alguns meses, já que as férias terminaram. Às vezes a vida é providencial quanto retarda o enfrentamento dos problemas.
(No meu retorno, também soube das acusações sobre o Substack de não moderar nem banir conteúdo explicitamente nazista, movido pelo interesse pecuniário do lucro que vem da audiência desses canais. Sei que várias pessoas que publicam na plataforma estão considerando migrar para alternativas. Eu ainda estou analisando o cenário, pois no fundo todas as plataformas se orientam pelos objetivos capitalistas. Fico em dúvida se vale a pena mudar, ou se no fundo não seria apenas mais do mesmo).