Rabiscos # 23 -
Atrasada. De novo! Não seria melhor logo mudar o dia de disparo desta newsletter para domingo? Resisto a isso, pois seria admitir que não consigo manter o dia de publicação que me propus 23 edições atrás. Quero insistir, pelo menos um pouco mais, na sexta-feira. Minha vida nem de longe tem a regularidade daquela do personagem de Dias Perfeitos, o novo filme do Wim Wenders que assisti ontem (maravilhoso! um diálogo entre a permanência e o caos que vivemos no cotidiano). Por mais que eu tenha horários regulares (afinal, dou aula nos mesmos dias todas as semanas), nenhuma semana é igual a outra e surgem sempre coisas novas que mudam o ritmo dos acontecimentos. E, talvez seja o mesmo que se passa com você, as tarefas sempre furam a fila dos prazeres.
O envelhecimento é um tema que vem frequentando a mídia com alguma regularidade. Ontem o jornal O Globo decretou em que idade somos biologicamente velhos (que seria 78 anos, segundo a reportagem, que se baseou num artigo publicado na revista Nature Medicine por pesquisadores da Universidade de Stanford. Se você tem menos que isso e se considera velho, reveja seus conceitos rs).
O próprio Dias Perfeitos também pode ser lido como um filme sobre envelhecer sozinho, sem relacionamentos mais próximos, sem conexões pessoais, o que não seria bom, como fala um dos personagens, a certa altura da história.
Mas o que me chamou a atenção foi uma entrevista que a atriz Isabella Rossellini deu ao The New York Times, publicada em 3 de março, com o título “How do grow old like Isabella Rossellini”. Deixemos de lado o titulo, altamente prescritivo e com jeitão de autoajuda, para avançar no que a entrevistada trouxe que me chamou a atenção.
“How do I fulfill the rest of my life? That question came to me very clearly at 45, and I didn’t have an answer.”
(Como preencho o resto da minha vida? Esta questão me veio muito claramente aos 45, e eu não tinha uma resposta”)
Isabella era o rosto da marca Lancôme quando, aos 45 anos, a empresa a dispensou dizendo que ela era muito velha, pois suas consumidoras sonhavam em ser jovens e a publicidade para perfumes e cosméticos era baseada em sedução, uma ideia não associada a mulheres nos seus 40 anos.
A partir daí, ela iniciou uma reavaliação de sua vida, indagando a si mesma como ela iria preencher sua existência, dando sentido a ela.
A atriz voltou para a universidade, comprou uma fazenda quando estava com 60 anos, escreveu livros, produziu seus filmes, atuou. Tornou-se financeiramente independente, embora, no momento da dispensa da Lancôme, tenha se preocupado com como iria sustentar os filhos e a si mesma.
No contexto da nossa sociedade que valoriza a juventude, parece mesmo impossível mudar a vida - ou dar a ela um sentido - depois da maturidade. Como se ao chegar aos 40, já tivéssemos pavimentado o caminho do sucesso (ou fracassado nessa empreitada) e nada mais pudesse ser alterado.
Ao ler isso, lembrei da minha própria experiência. Aos 40 anos, estava começando o mestrado, depois de quase 20 anos longe da teoria acadêmica, num processo que veio a transformar totalmente a minha vida e a minha carreira. E que me trouxe uma realização profissional que nunca antes havia experimentado.
Sempre gostei de ser jornalista, seja em redação ou na comunicação corporativa, só que lá no fundo sentia falta de alguma coisa, e só depois de ter começado o mestrado me dei conta do que era. Tinha saudades da sala de aula, do ambiente de discussão da universidade, dos debates teóricos e aplicados, da experiência de conhecer.
Tive a oportunidade de me reinventar aos 40 anos, mas sei que muitas pessoas, que estão em carreiras ou posições que não apreciam, nem sempre podem fazer esta opção. Eu mesma só consegui fazer a opção depois de terminar o Doutorado. Por muito tempo, conciliei a atividade de professora universitária com a consultoria em comunicação, por uma necessidade financeira mais que por desejo de manter uma relação ativa com o mercado.
Não podemos temer nos reinventar, seja em que idade for. Precisamos ter esta perspectiva ativa de que, a qualquer momento, devemos nutrir nossa vida com sentido, e não apenas assumir o papel social previamente destinada para nós, especialmente nós, mulheres. Sermos protagonistas de nós mesmos tem mais a ver com nosso desejo de ocupar determinados lugares do que com incorporar a determinação social que nos é imposta. Claro que obstáculos sociais, econômicos, de classe, de gênero, de raça nos impedem, muitas vezes, de construir este sentido. Aqui não vai nenhum julgamento. O que não podemos é nos limitar por conta da idade. Por achar que passamos da época de produzir e de encontrar sentido em nós mesmas e no que fazemos.
Por último, ainda nesta entrevista, a jornalista Lulu Garcia-Navarro abre a entrevista com um parágrafo em que destila preconceito. Primeiro se espanta com o fato de encontrar, no Instagram da atriz, uma mulher ativa aos 71 anos. Depois destaca que as fotos de Rossellini são “proudly unretouched” (orgulhosamente irretocadas). E por último se pergunta como a atriz está tão confortável em sua própria pele em uma idade em que muitas mulheres estão lutando nas suas peles. Além de etarista, a fala pode soar como uma reprovação - como ela pode estar se sentindo bem assim, cheia de rugas, perda de contorno e flacidez, em vez de estar empreendendo uma guerra com as marcas do tempo?