Rabiscos # 25 - Prestes a ultrapassar um portal
Antes de dormir, resolvo dar uma passeada pelas redes sociais (coisa que especialistas de vários matizes condenam se você quer ter uma boa noite de sono e/ou adormecer rápido. Passo pelo post de uma colega de faculdade, anunciando, orgulhosamente, que “sessentou”. Paro por alguns segundos, lembro de nós, universitárias, conversando sobre aulas, trabalhos, estágios. Parece que foi ontem.
(Parece que foi ontem, por sinal, era o nome de uma festa que o Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro promovia nos anos 1980, talvez já indicando prematuramente uma certa nostalgia do lugar da profissão no imaginário social brasileiro).
Este ano, vários amigos e amigas fazem sessenta anos. Os que estudaram comigo no colégio (e continuam presentes em minha vida), os que estudaram Jornalismo comigo (e alguns seguem também presentes em minha vida), os que foram do grupo jovem da Igreja, até minha irmã.
Sessenta anos! Oficialmente serei idosa e encaminhada para a fila de prioridades; terei direito à vaga especial em estacionamentos públicos e privados; estarei na lista de públicos prioritários de vacinação.
Eu?
Mas outro dia mesmo estava entrando na faculdade, passando pelo trote, indo a festas, conhecendo gente, namorando, casando, tendo filhos, mudando de empregos, fazendo mestrado e doutorado, mudando de carreira…
Eu? Tem certeza?
Trabalhei com um médico pesquisador que, quando completou 60 anos, dizia que “agora fiquei sex - sexagenário”. Talvez as piadas meio sem graça façam parte do repertório que chega quando envelhecemos e “oficialmente” entremos na chamada “terceira idade”.
O que ele queria dizer é que rejeitava o estereótipo que foi atribuído a quem atinge esta idade limite e entra no clube dos idosos. Não por uma aversão ao envelhecimento. Lembro muito dele dizendo que as pessoas enxergam a velhice como se fosse uma doença, e ficam buscando a cura para ela. Acontece que a velhice não tem cura porque não é uma enfermidade. É um processo natural, que vai ser vivido de formas distintas em função de diversos fatores - onde vivemos, como vivemos, nossa condição socioeconômica, etnia, saúde, deficiências etc.
As classificações etárias, como toda generalização, podem mascarar diferenças substanciais entre indivíduos, e servir muito mais a propósitos de marketing e do mercado do que nos ajudar a entender as fases da vida. Penso na badalada GenZ, rótulo muitas vezes apropriado para explicar comportamentos na sociedade que diferem de gerações anteriores, mas que não são unívocos para todos os nascidos naquele período de tempo. Aplicar este carimbo pode facilitar a apreensão de fenômenos comportamentais mas também estabelece uma visão limitada das pessoas.
O fato é que os 60 anos são um marco, e realmente impactam muita gente. Uma amiga muito querida, que sessentou durante a pandemia, comentou ao receber o presente que enviei por correio, com a dedicatória que o objeto era para marcar a idade nova: “Nossa! Sessenta anos. Foi um baque. Não tinha me dado conta. Fiquei impactada”. Na época, me senti mal pelo que escrevi. Não era minha intenção trazer uma nuvem para o aniversário.
Só que construímos uma percepção do que significa fazer 60 anos que nos acompanha mesmo quando nos aproximamos realmente desta idade. Como se os 60 fossem um portal oficial para a velhice, a decadência e a morte.
Ainda fico estupefata quando penso que estou a menos de três meses de atravessar este portal.
Talvez porque eu não me sinta entrando neste espaço da decadência ou da finitude compulsória.
Conheço pessoas que foram atingidas psicologicamente pelo peso do número. Uma vez com 60 anos, passaram a agir, pensar e sentir com gestos, mentalidade e saúde de alguém envelhecido (ou muito mais velho). E sei que para muitos, existem complicações e situações de saúde reais, algumas até anteriores à essa idade.
O que quero dizer é que, em nossa sociedade, estabelecemos marcos temporais que nem sempre traduzem o que estávamos vivenciando, ou que nos aprisionam em determinados modelos mentais.
Precisamos superar estes aprisionamentos. Sessenta anos não podem ser um portal da decrepitude. Aliás, nenhuma idade, em si, deveria ter este poder de decretar o que não somos mais.