Muita gente nova chegou nos últimos dias. Que alegria! É muito bom saber que mais pessoas estão lendo estes rabiscos, fico verdadeiramente feliz (apesar de muito envergonhada quando alguém elogia diretamente comigo algum texto que leu hehehe).
Pra quem chegou agora, a intenção é que Rabiscos seja uma newsletter semanal, enviada aos leitores toda sexta-feira pela manhã. Entretanto, em algumas semanas a sexta vira domingo e, em raras, como na passada, Rabiscos falha, em função das minhas outras atividades também conhecidas como trabalho profissional rsrs.
Não considero estes textos um trabalho, muito menos profissional, se entendermos por profissional aquilo que fazemos para pagar as contas e ainda custear umas viagens que dão sabor à vida. Então, quando o dever chama, acabo tendo de sacrificar a periodicidade da Rabiscos.
E como já disse várias vezes, não quero transformar esta atividade, que me dá tanto prazer, em uma obrigação, em mais uma tarefa na lista infindável. Escrever não é um peso para mim. Estou sempre escrevendo na minha cabeça. Cada situação que vivencio, descrevo mentalmente. Olho uma pessoa atravessando a rua e fico imaginando como será o cotidiano dela. Como eu poderia carcterizá-la. O que mais me chama atenção nela. Escrever (e seu correlato, descrever) é meu modo de entender o mundo e de me entender também.
Sempre gostei de escrever (e de ler). Tenho fotos ainda muito pequena com um livro aberto, absorta na “leitura”. Foi só aprender a escrever que comecei a colocar no papel (sou desse tempo) histórias. Menina, adolescente, estava sempre escrevendo, nas margens das páginas dos livros, nos cadernos da escola, nos bloquinhos rosa com que meu pai abastecia nossa casa. Escrever e ler eram as coisas que eu mais gostava de fazer. Escrevia sozinha, em dupla ou trio com as amigas - uma começava um parágrafo, a outra dava continuidade, ninguém sabia bem onde ia parar o texto, muito menos se ia ficar bom. A diversão era, literalmente, o processo.
Mas, quando comecei a pensar em uma carreira, curiosamente, não me ocorria ser escritora. Talvez porque, num cenário de ditadura militar, não houvesse estímulo para quem queria ganhar a vida com a livre expressão de ideias, a fabulação de outras realidades e a criação de personagens. Talvez porque fôssemos um país de poucos leitores. Talvez porque eu não achasse que seria possível escrever profissionalmente como uma escritora. Ou talvez porque escrever fosse uma atividade essencial e não uma profissão pra mim.
O fato é que, toda vez que conto como virei jornalista, começo lembrando que eu sempre quis ser arquiteta - até o momento do vestibular, quando escolhi fazer Comunicação Social (à época, Jornalismo era uma habilitação desse curso e não uma faculdade em separado) - e nunca como escritora.
(Há quem diga que eu fui muito lenta em perceber que jamais daria uma arquiteta, e que sempre estive envolvida em jornal da escola, do grupo jovem, da Igreja, só eu que não via. E ainda bem que não fui fazer Arquitetura, quando minha filha do meio estava na faculdade eu agradecia o lampejo de sensatez na hora de me inscrever no vestibular).
Seja como for, mesmo sem considerar profissionalmente ser escritora, passei a vida trabalhando com palavras e frases e textos e sentidos e comunicação. Primeiro como repórter, redatora, editora, analista de comunicação, gerente de comunicação. Quando migrei para a vida acadêmica, transforme minha escrita. Sigo escrevendo artigos, livros, pareceres…. Escrevo diariamente, ainda que não ficção, que era o que eu produzia na infância e na adolescência. Desde setembro de 2023, quando comecei estes Rabiscos, o envelhecimento (o meu, das pessoas em torno de mim, do país) passou a ser a minha pauta.
Tem dias em que, quando sento pra produzir o texto, minha primeira sensação é que falta assunto. Aí basta eu revisar o meu dia que os assuntos pulam na minha frente - e a dificuldade passa a ser selecionar sobre o que vou escrever.
Somos uma sociedade que envelhece. Quando eu era adolescente, o Brasil era o país do futuro. Isso incluía também sermos uma nação jovem, com um contingente grande de pessoas abaixo dos 25 anos. Hoje, a faixa de brasileiras e brasileiros com mais de 60 anos é maior que a de 0 a 14 anos. Nascem menos crianças, as famílias têm menos filhos, e vivemos mais. Alguns com mais qualidade de vida, por estarem ancorados em mais recursos financeiros, oferta de cuidados e de atenção à saúde. Outros, com muita dificuldade. No geral, a população de mais idade só cresce.
Estamos preparados para isso?
Há várias camadas do que estou chamando de preparação. Benefícios previdenciários que dêem conta do aumento de gastos que o envelhecimento muitas vezes provoca (com cuidadores, medicamentos, aparelhos etc), edifícios e moradias acessíveis, serviços públicos e privados que levem em consideração as necessidades específicas desta faixa etária (que na verdade pode ser subdivida em várias subcaixas), meios de transporte adaptados às demandas de mobilidade, entre outras possibilidades.
Como eu acredito que a realidade só existe a partir da palavra, ou seja, é quando nominamos algo que ele ganha existência, minha contribuição para este processo de preparação consiste em falar sobre ele. Escrever sobre o envelhecimento é atribuir sentido e materialidade a ele.
Em breve, serei oficialmente incluída na categoria idosa. Escrever sobre esta nova etapa em seus múltiplos aspectos é minha forma de entender esta mudança de fase. Como sempre fiz, escrever para decodificar o mundo e atribuir sentido a ele.
Que texto profundo, professora! Por mais escritoras com um olhar tão sensível quanto o seu :)