Rabiscos #32 - Eu não tenho mais idade para …
Era um dia de muito calor no Rio (talvez, se comparamos com o nosso verão no outono, nem fosse tão quente assim). Cheguei na casa da minha tia (sobre quem já falei nesta outra edição da Rabiscos) e a encontrei com uma blusa de manga três quartos (na altura do cotovelo). Estranhei e perguntei porque ela não usava uma camiseta, algo mais fresco e decotado. “Não tenho mais idade pra isso, minha filha. A gente tem que saber quando já passou da idade pra certas coisas”.
Não me lembro quantos anos eu tinha na época, mas com certeza estava bem distante de me preocupar com a idade ou com o que ela me permitiria ou não fazer. Talvez estivesse próxima da fase em que ainda não temos idade para fazer determinadas coisas.
Curioso como passamos boa parte da vida querendo realizar coisas para as quais não temos idade suficiente e, depois de algumas décadas, entramos na época de não termos mais idade para fazer estas mesmas coisas.
Na hora, achei que ela estava sendo elegante, optando por não expor partes do corpo que ela já não achasse tão esbeltas. Me pareceu natural pensar daquele modo.
Hoje isso me parece completamente estapafúrdio. Existe idade pra parar de usar regata ou vestido sem mangas? Com base em que parâmetros? Não estamos reproduzindo com esta mentalidade uma ditadura dos corpos magros e jovens, os únicos que mereceriam estar à vista? Ou seja, no fundo este tipo de atitude se funda na visão de que a velhice precisa ser escondida, camuflada, para passar desapercebida.
Escrevo sentada num café ao lado de uma mesa com 13 idosas (todas na faixa entre 70 e 80 anos), alternando cabeças brancas e cabelos tingidos, tomando cerveja num almoço tardio. Uma visão divertida.Não consigo deixar de prestar atenção porque elas falam alto, são muitas, e quem está na ponta direita quer conversar com quem está no lado esquerdo. Uma cena que foge do estereótipo da velhinha em casa. Principalmente agora, que começou um acalorado debate sobre qual a melhor marca de cerveja….
Rio por dentro. Garanto que elas não pensam que não têm mais idade para beber, encontrar as amigas e usar vestido de alcinha.
Que a idade não nos limite nunca e nos impeça de desfrutar o que a vida tem de melhor.
E que consigamos ressignificar os termos que são atribuídos às pessoas com mais de 60 anos. Como, por exemplo, aposentadoria. No segundo episódio do podcast Desiguais, da revista Piauí, sobre envelhecimento, o médico Alexandre Kalache comentou que aposentadoria vem de aposento, indicando um quartinho dos fundos onde os velhos eram “depositados”. Não sei se o inglês retired é muito melhor que o nosso aposentado. Ambos possuem esta conotação de excluído, apartado, retirado.
Quando olho para a mesa do lado, vejo alegria, jovialidade, prazer de viver. Não vejo pessoas fora do convívio social, guardadas em aposentos esquecidos de suas casas.
Temos que pensar sempre nos sentidos que as palavras guardam, e trabalhar para que ganhem novos significados. Especialmente em sociedades que envelhecem, como é o caso do Brasil.