Quando comecei a trabalhar, a aposentadoria me parecia uma realidade muito distante. Estava relacionada com envelhecer, e quando se tem 17, 18 anos, não se pensa no próprio envelhecimento. A sensação de que seremos jovens para sempre nos inunda. Temos a certeza que ficar velho vai acontecer somente com os outros e, se vier a acontecer com a gente, vai demorar tanto que nem precisamos pensar nisso.
Apesar desta concepção, nasci cercada da preocupação previdenciária. Meu pai trabalhou com previdência a vida inteira - primeiro nos Institutos de Aposentadoria e Pensões criados por Getúlio Vargas na década de 1930, e que atendiam a categorias de trabalhadores; depois no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), por onde se aposentou depois de mais de 35 anos de serviço (e seguiu trabalhando como consultor até ser impedido por um AVC intenso). Logo, assim que comecei a trabalhar, ele já fez questão que eu começasse a contribuir para a previdência e a aposentadoria se tornou um ponto (distante) no horizonte para o qual eu caminharia depois de longas décadas laborais.
Quis o destino ou os caminhos profissionais que eu viesse a me especializar em jornalismo econômico e passasse uns 15 anos cobrindo previdência complementar. Meu pai não chegou a ver isso, pois quando ele morreu eu ainda cobria política, movimentos sociais e mergulho/atividades náuticas (sempre tive uma atuação eclética). Mas tenho certeza que ele adoraria saber que acabei escrevendo sobre o que ele considerava um assunto vital para todo trabalhador.
Mesmo que fosse uma realidade distante, quando eu era uma foca1, a aposentadoria era para mim sinônimo de descanso, de ausência de atividade laboral, e de bastante tempo para lazer. Tenho certeza que esta percepção não era só minha. Provavelmente você já ouviu alguém se referir a essa etapa da vida como “pendurar as chuteiras”, “entrar pro clube dos 60”, “virar jardineiro de tempo integral”, “passar para a reserva”, “virar rei do churrasco”, “entrar pro time dos maratonistas de supermercado”, entre outras. De um modo geral, são expressões que indicam o fim da carreira profissional e o início de uma época de descompromisso.
Minha trajetória me veio à cabeça esta semana, quando uma amiga querida, que mora na Suíça, me indicou um episódio do podcast 15 Minutes, que aborda os aposentados daquele país que continuam a trabalhar.
Segundo o programa, na idade de se aposentar (por volta dos 65 anos para homens, e 64 anos para mulheres), uma de cada quatro pessoas continua ativa, sendo que há uma década este número era de uma a cada cinco pessoas. O episódio afirma que manter-se no mercado de trabalho pode ser uma saída para a escassez de mão-de-obra na economia suíça, e ao mesmo tempo indaga se as empresas estão prontas para contratar ou mesmo manter seus empregados mais idosos.
Ouvir o podcast me fez pensar no quadro brasileiro, e se por aqui também temos uma situação semelhante. Passei uma tarde buscando dados sobre o percentual da força-de-trabalho com mais de 60 anos que é aposentada, ou, de uma forma mais geral, que ainda continua no mercado. Confesso que foi difícil encontrar dados muito precisos.
O Brasil tem, de acordo com o IBGE, 10,9% de sua população com mais de 65 anos (22 milhões de pessoas). Se considerarmos, a partir de 60 anos, como define o Estatuto do Idoso, teremos 15,6% da população nesta faixa etária (32 milhões de brasileiros).
Ainda pelos resultados colhidos pelo IBGE, a taxa de participação da população brasileira com 60 anos ou mais na força de trabalho era de 19,3%, em maio de 2022. Isso significa que, entre os idosos brasileiros, 1 em cada 5 está trabalhando. Entretanto, o IBGE não informa quantas destas pessoas estão aposentadas. O Brasil paga hoje 33 milhões de aposentadorias e pensões, de acordo com o Transparência da Previdência, do Ministério da Previdência. Atualmente, existem no Brasil 23 milhões de aposentados. Desse total, 11.238.991 são homens e 11.795.657 são mulheres, segundo dados de dezembro de 2023 extraídos do Sistema Único de Informações de Benefício (Suibe).
Em 2022, cerca de 33,9% dos aposentados brasileiros com mais de 60 anos continuavam trabalhando, o que representa aproximadamente 5 milhões de pessoas, de acordo com algumas reportagens. Não consegui, porém encontrar fontes confiáveis que fizessem a distinção entre quem adia a aposentadoria, seja porque ainda não atingiu os requisitos mínimos para solicitar o benefício, seja porque o valor que receberá não será suficiente para cobrir seus gastos ou porque ainda se sente produtivo, e aqueles que efetivamente se aposentam e depois retornam ao mercado de trabalho.
Por aqui, como lá na Suíça, os motivos para permanecer trabalhando podem soar parecidos: o baixo valor da aposentadoria para suprir as necessidades básicas, o desejo de se manter ativo e produtivo, e até mesmo ajudar no custeio de filhos e netos. Há ainda razões de ordem da saúde mental: um dos entrevistados do podcast chegou a se aposentar, passou um mês no sofá e começou a se sentir deprimido. A solução foi retornar a um trabalho temporário de tempo parcial.
Permanecer trabalhando após uma certa idade ou após a aposentadoria também está relacionado com as condições de saúde de cada um, o tipo de atividade executado, a satisfação com o trabalho em si e mesmo com oportunidades no mercado.
A oferta de vagas de trabalho para pessoas com mais de 60 anos ainda é limitada no Brasil, o que pode dificultar a recolocação no mercado de trabalho e levar alguns aposentados a aceitar trabalhos precários ou abaixo de suas qualificações, em se tratando daqueles que permanecem na atividade laboral por pressão financeira.
Talvez ainda estejamos muito longe do que me contou minha amiga. Ela percebe que o assunto “empregar aposentados” está em alta na Suíça e ela credita em parte ao “fato de o país ter um certo “histórico” de valorização da transmissão do savoir-faire, o que por sua vez talvez contribua pra garantir o respeito pelo profissional senior. Na relojoaria, por exemplo, o duo mestre-aprendiz é um pilar insubstituível até hoje”. Ela explica que nessa indústria o que se chama de “o gesto” (ou seja, como se executa uma determinada atividade) é muito difícil de se aprender, se não for diretamente através do contato direto e sob o olhar do profissional que aperfeiçoou esses gestos ao longo da sua carreira.
Por aqui não sei dizer se temos esta valorização do profissional experiente como sendo aquele que detém um conhecimento que só poderá ser transmitido pela convivência e observação, por parte dos mais novos e dos estreantes na atividade.
O que fica cada dia mais claro para mim é que o limite para exercer uma profissão, uma carreira, uma atividade não se restringem ao que determina a lei, mas dependem da vontade, das condições de saúde, do tipo de trabalho desempenhado e das necessidades individuais. De todo modo, aposentadoria nunca deveria ser encarada como o fim da linha. Afinal, em qualquer idade temos sempre o que acrescentar ao mundo e àqueles que convivem conosco.
gíria nas redações de veículos jornalísticos para o jornalista iniciante na profissão.
adorei! e a foca virou fera! 😉