Aprendi a tricotar sozinha aos 13, 14 anos, fuçando revistas de tricô. Minha mãe e suas irmãs só sabiam fazer crochê e eu não gostava muito de crochetar, doía meu polegar direito e o trabalho não rendia. Encasquetei que ia aprender por minha conta. Quando consegui fazer meu primeiro pulôver, fiquei em êxtase e desandei a tricotar (o que chega a ser surreal, como se no Rio de Janeiro fizesse esse frio todo para tantos casacos e blusas de lã). Até uma meia de tricô para meu pai, que tinha problemas circulatórios e precisava manter seus pés sempre aquecidos, cheguei a produzir.
Depois comecei a bordar em ponto cruz. Bordei quadros, panos de prato, encapei álbuns de fotografia. Montei caixas de joias a partir de papel cartão, criei cadernos com capa de tecido e, com uma amiga, tivemos uma barraca numa feirinha de artesanato aos sábados, em que vendíamos esses produtos. A aventura não durou um ano, porque ambas estávamos na faculdade, ela em horário integral, e eu, já estagiando.
Por toda a minha vida, tricotei, bordei e até fiz crochê com alguns intervalos. Acabei de fazer um cachecol para o meu marido, com lã de alpaca. Aos poucos fui entendendo que, mesmo que trabalhe basicamente com meu cérebro, tenho uma necessidade de ocupar minhas mãos. Não sei por qual mecanismo, mas quando as mãos estão diretamente envolvidas em trabalhos conhecidos como manuais, minha mente se desestressa, se acalma, entra num modo de foco no momento (em geral estou sempre pensando e fazendo mil coisas ao mesmo tempo). É quase como se fosse uma meditação.
Ao fazer estes trabalhos, aparentemente estava apenas seguindo a tradição da sociedade ocidental e dos países por ela colonizados, que atribuía somente a mulheres a prática de atividades como crochê, tricô e bordado.
Escavações arqueológicas na China revelaram que homens faziam tricô e costuravam roupas já no século III a.C, e há relatos que na Europa medieval o tricô era visto como uma habilidade valiosa para homens, pois permitia que eles consertassem suas próprias roupas e equipamentos. Por outro lado, na Era Vitoriana, na Inglaterra, consolidou-se a visão pela qual era impróprio para homens se envolverem em trabalhos manuais que não fossem relacionados à carpintaria ou metalurgia.
Um pouco na esteira de movimentos do tipo “faça você mesmo”, existe um ressurgimento do interesse masculino pelo crochê e tricô. Em uma das turmas que leciono, um dos estudantes volta e meia está crochetando. Segundo ele, apenas pelo prazer, sem nenhum projeto específico. Que maravilha que os homens, especialmente os meninos, estão descobrindo o poder liberador de fazer trabalhos manuais pelo simples prazer de fazê-los.
Outro dia, no metrô, vi uma menina de uns 20 anos, fazendo uma bolsa de crochê, extremamente concentrada, contando os pontos com movimentos sincopados da cabeça. Não dava para entender exatamente o que ela estava crochetando, o formato da bolsa parecia um pouco disforme. A sensação que tive é que isso não importava, o que valia mesmo era a sensação de serenidade que o trabalho com as agulhas de crochê lhe traziam.
Esta mesma serenidade que desde a minha adolescência eu encontro quando estou com um par de agulhas na mão.
Mesmo com tantos exemplos de jovens fazendo crochê, e de que não apenas mulheres tricotam e bordam, ainda assim volta e meia os trabalhos manuais são associados a atividades de vovós, de mulheres de idade avançada, “velhinhas corocas que ficam fazendo sapatinhos de bebê”.
O que motiva esta percepção, que beira claramente o etarismo?
Muito provavelmente, ela parte da concepção de que trabalhos manuais, de um modo geral, são atividades menos relevantes, sem grande valor social, e por isso são assumidas por uma faixa etária específica, por um determinado gênero, que está alijado do processo produtivo, ou por certas classes sociais. O tipo de atividade que teria valor socialmente falando é aquele que deriva do trabalho intelectual - em grande medida, exercido por homens, de classes mais altas.
Mulheres mais velhas, portanto, estariam dentro do perfil de quem desenvolve atividades de menor importância. Por isso, seria natural que tricotassem, algo que fariam em segundo plano, depois de exercer as suas funções de esposa-mãe-avó. O que significa que trabalhos manuais como tricô, crochê, bordado seriam ainda menos relevantes que as demais atividades domésticas a que uma mulher estaria confinada nesta percepção.
Para romper com estes clichês etaristas e sem dúvida machistas, nada melhor que lembrar de Rita Lee tricotando no programa Saia Justa, do GNT, no início dos anos 2000.
Nem só as vovós tricotam.
Mas elas também tricotam.
E tricotar pode ser liberador, não uma atividade menor.
Produzir algo com agulha e linha, com pontos que se entrelaçam para formar tramas e padrões e beleza, pode ser uma expressão de criatividade que não se restringe a idades, gênero e papeis sociais.
Adorei! Tenho vontade de aprender.